Cúmplice


Crucificam-me e eu tenho de ser a cruz e os pregos.

Estendem-me a taça e eu tenho de ser a cicuta.

Enganam-me e eu tenho de ser a mentira.

Incendeiam-me e eu tenho de ser o inferno.

Tenho de louvar e de agradecer cada instante do tempo.

O meu alimento é todas as coisas.

O peso exacto do universo, a humilhação, o júbilo.

Tenho de justificar o que me fere.

Não importa a minha felicidade ou infelicidade.

Sou o poeta.



Autor: Jorge Luis Borges, in "A Cifra"

Tradução de Fernando Pinto do Amaral

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